Cientistas testam terapia genética que pode funcionar como ‘vacina’ contra câncer

Aos 26 anos, Patrícia Miranda foi diagnosticada com melanoma, tipo mais agressivo de câncer de pele. Ela precisou fazer uma série de exames e realizar uma cirurgia para retirar o tumor que apareceu na barriga - Uanderson Fernandes / Agência O Globo
Imagine uma substância que, ao entrar no corpo, é capaz de tratar um tumor maligno já existente e, também, prevenir que o paciente volte a desenvolver a doença. Essa terapia genética que faz as vezes de “vacina" é o que buscam pesquisadores de todo o mundo, alguns com resultados já promissores em laboratório. Um desses estudos, com foco em câncer de pele, é desenvolvido há seis anos no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, São Paulo. Agora, os cientistas de lá conseguiram comprovar em camundongos que a “vacina” criada por eles conseguiu curar a doença em 30% dos casos e que, de todos os animais tratados, 40% não voltaram a desenvolver câncer mesmo depois de tomar injeções de células com o tumor. Os resultados foram publicados na revista científica “Frontiers in Immunology".

O tumor investigado no estudo é o melanoma, tipo mais agressivo de câncer de pele. Aliás, grande parte das pesquisas que trabalham com terapia genética para estimular o próprio sistema imunológico a eliminar o câncer centram seus esforços no melanoma. Isso acontece porque, embora ele represente apenas 3% dos cânceres de pele, tem alto risco de gerar metástase — quando o tumor se espalha para outro órgão.

TRÊS LINHAGENS COMBINADAS

Pesquisador do CNPEM e um dos autores do estudo, Marcio Chaim Bajgelman explica que células de melanoma foram cultivadas em laboratório e modificadas geneticamente para que sua superfície passasse a ter imunomoduladores. São eles que tornam as células reconhecíveis para o sistema imunológico, que, assim, pode atacá-las. Uma forma de fazer com que esse efeito fosse mais forte foi combinar três linhagens diferentes de células tumorais, cada uma com um tipo de imunomodulador.

— Essa combinação foi muito significativa e essencial para que vários camundongos terminassem o estudo, após um ano de acompanhamento, sem vestígio do tumor — diz Bajgelman. — O novo caminho dos tratamentos oncológicos é, justamente, a combinação de imunomoduladores. Isso dá origem a “vacinas” derivadas da própria célula tumoral.


Especialista em bioquímica e também doutor em biotecnologia, ele destaca que o grande avanço dessa pesquisa foi indicar a possibilidade de a droga criar uma memória imunológica: o organismo do paciente tratado com ela “se lembra” de como atacar as células de câncer, o que impede que o tumor volte a aparecer.

Essa memória não foi observada em todos os camundongos “vacinados”, mas em 40%, índice considerado expressivo pelo pesquisador.
— O grande diferencial deste trabalho em relação a outros de mesmo tipo é indicar um efeito de duração de longo prazo. Quando os animais foram “redesafiados”, ao injetarmos neles células de melanoma, muitos não desenvolveram o tumor. O tratamento aumentou a imunovigilância do organismo, a capacidade de reconhecer e inibir doenças — afirma Bajgelman.

Segundo ele, a mesma lógica pode ser usada para outros tumores que não os de pele. O próximo passo é testar o funcionamento da “vacina” em células de câncer retiradas de pacientes, por biópsias, por exemplo. Até agora, os testes foram apenas com células tumorais cultivadas em laboratório.

— Devemos começar ensaios em células humanas nos próximos meses — acredita ele.

Para a analista de marketing Patrícia Miranda, a existência de uma “vacina” assim seria motivo de alívio. Ela foi diagnosticada há três meses com melanoma grau 3 — o nível de agressividade é medido numa escala de 1 a 5. Incomum para a idade dela, que tem só 26 anos, esse tipo de câncer é mais frequente em pessoas acima dos 60. E, quanto mais jovem se é, mais rapidamente precisa ser feita a cirurgia de retirada, porque o risco de metástase é ainda maior. Patrícia se submeteu à operação menos de um mês após o diagnóstico.

— Tive que fazer o que chamam de cirurgia de ampliação, retirando não só a pinta, mas toda pele ao redor, que tem risco de já ter células cancerosas. Isso é para evitar ao máximo que haja metástase ou recidiva — conta ela.

ATENÇÃO A PINTAS SUSPEITAS

Depois do susto, a jovem está bem: não precisou de quimio, nem radioterapia. Ela necessita, a partir de agora, realizar exames periodicamente e monitorar outras duas pintas suspeitas na barriga.

— A pinta que eu retirei já estava crescendo e ficando mais escura desde que eu tinha 20 anos. O diagnóstico foi um aprendizado, para que eu fique mais atenta a qualquer mancha suspeita e inclua o protetor solar na minha rotina. Se eu não tivesse deixado tanto tempo passar, talvez o tumor não tivesse se desenvolvido — ressalta.

Para o coordenador do Departamento de Cirurgia e Oncologia da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Curt Mafra Treu, a pesquisa desenvolvida em Campinas é promissora, mas são necessários mais estudos que haja certeza da existência de uma memória imunológica. Ele destaca, também, que é importante não confundir esse tipo de droga com uma vacina convencional.

— Não é um tratamento preventivo, não será aplicado em uma pessoa saudável — ressalta. — Já houve diversos estudos de melanoma com vacinas. Infelizmente, a maioria deu negativo. Mas esse campo nos deixa muito animados. É o futuro do tratamento oncológico.

Também segundo Andreia Melo, oncologista clínica da Oncologia D'Or, as pesquisas têm caminhado para a elaboração de terapias que estimulem de alguma forma o sistema imunológico. Tanto por medicamentos que ajudem o organismo a reconhecer características do tumor, quanto por “vacina”.

— O melanoma é o tumor que mais tem alterações somáticas, então ele forma muitos antígenos e isso dá mais possibilidades de reconhecê-lo. Por isso ele é tão estudado na busca de vacinas — diz ela. — Esse é o caminho, mas deve levar ainda uma década até algo assim ser aprovado pelos órgãos regulatórios.

Fonte: O Globo

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