Análise: Governo foi alertado sobre retorno da febre amarela

Ministro da Saúde Ricardo Barros
RIO — Houve abundância de alertas de médicos e cientistas de que a febre amarela voltaria com o verão, a despeito de o Ministério da Saúde ter declarado o fim do que chamou de surto em 6 de setembro do ano passado. O que faltou e continua a faltar é vacina em dose suficiente para atender a toda a população.

O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, tem menos de 50% da população vacinada, aproximadamente o mesmo percentual das cidades mais atingidas de Minas Gerais quando a epidemia oficialmente começou em janeiro de 2016. Especialistas afirmam que é preciso chegar a 90% ou não há controle efetivo. Fato mais do que conhecido pelas autoridades de saúde.

O estado do Rio diz que sobraram doses nos postos porque a população não procurou. E se toda a população tivesse procurado? Se vacina houvesse, o Ministério da Saúde não anunciaria o fracionamento — igualmente antevisto por especialistas.

Fracionar a vacina nada tem de trivial. Nem para quem vacina, nem para quem é vacinado. Para autoridades de saúde, significa comprar seringas específicas — logo, mais dinheiro e trabalho — e treinar gente para fazer isso. Significa ainda aumentar a complexidade da logística de vacinação, já que a dose fracionada não oferece a proteção duradoura da dose padrão e a população pode ser chamada a se revacinar.

Quem receber a dose fracionada já sabe de antemão que poderá precisar voltar a se vacinar no futuro, já que não há garantia de por quanto tempo uma pessoa estará realmente protegida. Estudo da Fiocruz citado pelo ministro Ricardo Barros sugere oito anos. A dose comum oferece comprovadamente dez anos e até por toda a vida, segundo as diretrizes adotadas pelo Ministério da Saúde.

Não custa observar que viajantes para o exterior continuarão a receber a dose padrão. O motivo é simples: a fracionada não é aceita como garantia de vacinação em outros países.

Bio-Manguinhos, que produz a vacina de febre amarela no Brasil, informa que em 2017 entregou 61 milhões de doses ao ministério. Este, por sua vez, informa que enviou aos estados brasileiros 45 milhões de doses. Segundo Bio-Manguinhos, o pedido para o Programa Nacional de Imunizações neste ano foi de 40 milhões. A instituição lembra em nota que precisa atender à demanda de tríplice viral (30 milhões de doses).

A opção seria comprar no exterior. Mas desde 2015, ano de uma epidemia da forma urbana na África, a Organização Mundial de Saúde e outras instituições alertam para a falta mundial de vacina de febre amarela. Agora, a febre amarela está de volta também à África. A Nigéria tenta debelar a doença em sete estados.

A febre amarela preocupa pela elevada letalidade. A epidemia do ano passado, a pior de febre amarela silvestre já registrada nas Américas, ficou na faixa de 30%.

Outra necessidade que o fracionamento expõe é o desenvolvimento de uma nova vacina. A atual tem um histórico de oito décadas de excelente serviço prestado à Humanidade. Mas precisa ser renovada, dizem virologistas como Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, uma das maiores autoridades do mundo na doença. Segura e eficiente, ela é. O problema é que sua produção é altamente trabalhosa e demorada e já não atende mais à demanda mundial.

O velho processo é lento para a velocidade do vírus num mundo globalizado. São necessários produzir ovos especiais, incubar vírus nos embriões, esperar que se desenvolvam. As condições de segurança e higiene são extremamente rigorosas. E tudo isso precisa ser feito a baixo custo. O resultado, a grosso modo, é a escassez mundial de vacina. Vasconcelos diz que está mais do que na hora de pensar também numa vacina mais moderna.
Fonte: O Globo

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